Sustentabilidade e Desenvolvimento Sustentável são dois temas que passaram a ser discutidos fora do mundo acadêmico e de algumas agências da ONU a partir dos anos 1980. De lá para cá, muito se fez na ciência para compreender onde estão os problemas, muita negociação política de alto nível acontece para estabelecer acordos internacionais que apontem as estratégias e ações que governos devem tomar (vide a COP 17 da Convenção de Mudanças Climáticas que acabou de se realizar, ou os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU), e muitas novas tecnologias, processos e produtos foram gerados por empresas e outras organizações para encontrar soluções “mais sustentáveis”. É a abordagem convencional, que vem “de cima para baixo” (top-down), mas essa é a única maneira de se buscar um desenvolvimento sustentável?
Sustentabilidade “de Cima para Baixo”
Nessa abordagem, a escala das discussões começa em níveis internacionais, geralmente o das Nações Unidas ou da União Européia, e vai focando cada vez mais em escalas mais restritas. Após os países terem feito algum acordo entre si, cabe a cada um buscar aplicar as decisões internacionais em seus territórios, o que normalmente acontece por meio de elaboração de novas legislações ou mudanças em legislações existentes. Feito isso, aqueles setores atingidos pela mudança devem se ajustar e cumprir com os novos requisitos ou exigências. Após algum tempo, normalmente muitos anos, à medida em que os resultados da aplicação da legislação são conhecidos, se avalia, no âmbitos político, técnico, científico e econômico, se há necessidade de modificá-la de alguma forma. É preciso checar se o “pensar globalmente e aplicar localmente” está funcionando. É o que se chama de uma abordagem “de cima para baixo”.
Sem dúvida, esse processo tem produzido resultados palpáveis em um número enorme de casos, diretamente ligados ou não à chamada agenda global da sustentabilidade. Existe uma grande quantidade de Convenções Internacionais em vigor que levaram a leis e normas nacionais, que, por sua vez provocaram mudanças nos países, algumas mais outras menos efetivas, com graus diferentes de adesão e comprometimento.
Mas, existem pontos negativos nessa abordagem “de cima para baixo”. O primeiro é que ele normalmente demora muitos anos para conseguir gerar resultados, a partir do momento em que a discussão se inicia. Veja, por exemplo, a Convenção de Mudanças Climáticas.
O assunto começou a ser debatido internacionalmente em 1979, na Primeira Conferência Mundial do Clima; a Convenção começou a ser negociada em 1988, foi aprovada na Rio 92, entrou em vigor em 1994 e até hoje sofre modificações a cada Reunião da Conferência das Partes (COP) para tentar melhorar sua eficácia, 30 anos depois.
Pode-se dizer que esse é um caso extremo, devido à complexidade do tema, incertezas científicas, interesses políticos, aspectos tecnológicos envolvidos, implicações econômicas e sociais, etc., mas, inevitavelmente mesmo temas mais simples acabam por levar muitos anos para darem algum resultado, devido às características do processo de negociação internacional e à forma como acontecem os desdobramentos em cada país. Estamos falando de quaisquer temas que necessitem de acordos internacionais para progredirem, quer seja na área ambiental, social ou econômica.
Mas, na minha opinião, após ter participado diretamente de diversos processos desse tipo como negociador e também como alguém envolvido na implementação dos acordos e leis no âmbito nacional e empresarial, o principal problema dos processos”de cima para baixo” é a dificuldade em fazer com que as mudanças sejam entendidas e aplicadas na medida em que vamos descendo e chegamos nos que realmente serão atingidos por elas, positiva ou negativamente. Podemos estar falando de pequenas empresas, profissionais, ou até do cidadão comum, que quase nunca participam das discussões, mas inevitavelmente, sofrem as consequências.
Nas abordagens “de cima para baixo” normalmente prevalece o uso de fatores racionais, científicos ou políticos para justificar as linhas de ação que foram propostas. Entretanto, o que move a maioria das pessoas não são apenas esses fatores, mas sim suas emoções, o que acaba por diminuir muito a atratividade das propostas.
Após mais de 25 anos vivenciando essa realidade, percebi que os fatores chave para o sucesso da aplicação de qualquer mudança desse tipo são:
- Conseguir encontrar uma maneira de fazer com que os atingidos entendam o (grande e complexo) problema;
- Vejam as vantagens pessoais ao fazer o que a mudança requer, e,
- Proporcionar ferramentas adequadas para a sua implementação.
A abordagem tradicional, necessária para estabelecer consenso sobre como atingir um desenvolvimento sustentável e propiciar compromissos políticos internacionais, acaba por distanciar os que definiram os caminhos daqueles que vão percorrê-lo. É preciso complementá-la com uma outra abordagem, dessa vez “de baixo para cima” (bottom up), para facilitar que as mudanças aconteçam melhor e mais rápido.
Sustentabilidade “de Baixo para Cima”
Essa forma de abordagem busca implementar algum tipo de política, atividade ou programa a partir daqueles grupos que estão na base da pirâmide. No caso da sustentabilidade, a base abrange a população em geral, e dela se atingem os próximos níveis que com ela se relacionam.
Pensando no enorme desafio de promover o Desenvolvimento Sustentável, passamos a acreditar que a proposta de usarmos o conceito da Sustentabilidade Familiar em uma abordagem “de baixo para cima” seria uma excelente opção. Isso porque:
- Temos o potencial para atingir um grande número de pessoas, pois o assunto é de interesse de grande parte da população;
- As mensagens para explicar o propósito da Sustentabilidade Familiar podem ser preparadas em formatos adequados a diferentes segmentos de famílias, de acordo com as suas necessidades e com mensagens focadas nos benefícios tangíveis para elas, que levem em conta os fatores emocionais que passam a existir devido à possibilidade de melhorias diretas e concretas nas suas vidas;
- O uso combinado de plataforma virtual e atividades de campo envolve diferentes participantes, aumentando a difusão e a eficácia das ações e das trocas de experiências, produtos e serviços entre os participantes.
A toda hora escutamos dizer que o tempo passa e diversas medidas importantes deixam de ser tomadas ou executadas no mundo, e que no ano 2030 ou 2050, sei lá, a situação ficará insuportável. Não é isso que se acredita vá acontecer com o impacto das mudanças climáticas, por exemplo? Quando penso nesses cenários me vem à cabeça os mais de 8 bilhões de seres humanos, além do incontável número de seres das outras espécies que existem no planeta. Mas, sinceramente, os primeiros em que penso são meus filhos e meu neto. Dar a eles condições para conseguirem ter uma vida com qualidade, em uma sociedade iluminada, em um mundo saudável é o que mais me motiva a trabalhar com Sustentabilidade Familiar. E você, o que lhe motiva?
O Autor
Marcelo Kós Silveira Campos
É um profissional com mais de 30 anos de experiência em temas ligados à sustentabilidade, dos quais mais de 20 trabalhando com a indústria química. Atuou no desenvolvimento de normas, sistemas e iniciativas para a gestão de saúde, segurança, meio ambiente, responsabilidade social e comunicação em empresas e organizações brasileiras e internacionais.
É engenheiro químico pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e mestrando em Desenvolvimento Sustentável na Universidade de Utrecht, na Holanda.
É o CEO da Fasus.