Sustentabilidade Familiar: Avôs sustentáveis ajudam a criar netos sustentáveis

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A idade chega para todos os que permanecem vivos. Ainda bem, porque a alternativa é muito desinteressante. O que fazemos nesse processo de envelhecimento nos torna únicos, mas também nos integra na nossa rede social, que nos torna parte de um todo. A primeira rede da qual (normalmente) fazemos parte é a da nossa família. Nela nascemos, crescemos e adquirimos identidade.

À medida em que amadurecemos, vamos consolidando nossos valores e ganhamos mais conhecimento e experiência. Alguns acabam por dar continuidade à família, ao gerarem os próprios filhos. Quando isso acontece, a maioria de nós deixa para trás uma vida onde somos o centro de nossa atenção e esforço e entramos em outra, na qual outras pessoas importantes passam a ser nossa prioridade e o novo foco de nossa dedicação e preocupação.

A coisa fica diferente quando temos netos! Sendo avô do Leonardo, percebo claramente o que milhões em situação semelhante percebem, a chegada dos netos e netas desperta sentimentos maravilhosos, de profundo amor por esses pequenos pedaços de nós que vieram de nossos filhos, ao mesmo tempo em que traz um senso de urgência, de querer participar, contribuir, dar carinho, enfim, tudo o que pudermos fazer, com eles e para eles, no tempo que nos resta por aqui. Mas não é simples porque é preciso superar muitas barreiras para conseguirmos fazer tanta coisa, mesmo para os avós felizardos que estão sempre perto dos netos (o que, infelizmente, não é o nosso caso aqui em casa…).

Me perdoem vovós por que vou tratar de temas que afetam a vocês e a nós, os avôs, mas vou fazê-lo primordialmente sob a nossa ótica. Quero destacar algumas dores que temos e coisas que necessitamos, sem, contudo deixar de falar do papel das avós na sustentabilidade familiar.

Irresponsáveis

Ser avô não é ser pai duas vezes (graças a Deus), embora muitos de nós tenham sido criados por seus avós por qualquer razão. Em sua grande maioria, os avós não são responsáveis pela criação de seus netos, pelo menos não diretamente. Juridicamente falando, somos irresponsáveis em relação ao seu sustento e desenvolvimento, que cabe aos pais – nossos filhos e filhas. Realmente, assistindo tantos vídeos engraçados e reais sobre avós e netos que enchem as redes sociais, tenho a certeza de como é bom sermos também irresponsáveis em termos de disciplina e podermos fazer com os netos algumas coisas que educamos nossos filhos a não fazerem, como comer muito chocolate e sorvete, por exemplo, ou ficarmos acordados com eles até a hora em que nós mesmos não aguentamos mais e caímos no sono.

Imagem gerada usando Freepik (Freepik.com)

Porém, não existe nenhum avô ou avó que não se preocupe e não queira contribuir genuinamente com o processo de crescimento de seus netos. É uma relação diferente a que temos com eles, muito mais madura eu diria, porque nós mesmos amadurecemos e vemos a vida com outros olhos, mais experientes e tolerantes.

Não posso afirmar com 100% de certeza, mas essas características dos avós vem desde o tempo das cavernas, ou até antes. Porém, alguns fatos novos estão se destacando e tornando-se cada vez mais relevantes hoje em dia, com reflexos na vida dos avôs, dos filhos e netos tanto individualmente como familiarmente, não apenas no Brasil mas no mundo todo, principalmente nos países mais ricos.

Mais velhos, melhores, e com mais tempo

O aumento da expectativa de vida é um fenômeno mundial, mas não precisamos olhar as estatísticas para comprovarmos que é verdade, basta olhar para as nossas próprias famílias e para os que estão à nossa volta. O número de idosos aumentou proporcionalmente em todas as famílias, estamos não apenas vivendo mais, mas também vivendo melhor, com mais saúde e disposição. Eu mesmo estou vivendo melhor aos 65 do que meus avôs, tios e meu pai, que, aliás, partiram todos ainda sexagenários, por problemas de saúde (a ala feminina tem se saído melhor). Eu espero viver bem mais tempo, com menos problemas de saúde e tudo indica que será possível, se eu não me descuidar.

Parte do viver melhor tem a ver com o que se conseguiu na vida. Nesse quesito, mesmo sabendo que cada caso é um caso, temos que concordar que, por mais que reclamemos, os idosos de hoje, em sua maioria, parte da geração baby boomers (eu sou parte dessa geração), vivemos boa parte da vida em uma época de crescimento econômico e conseguimos ter uma qualidade de vida, um nível de poupança/investimentos e uma condição para nos aposentarmos melhor do que as gerações que nos antecederam e aparentemente, do que as que estão nos sucedendo. Alguns de nós chegam com boa saúde financeira, outros nem tanto, mas quase todos acabam dando um jeito de ajudar suas famílias, até porque é muito comum encontrarmos casos nos quais os avós conseguiram dar melhores condições de vida a seus filhos do que as que estes estão conseguindo dar aos deles. Essa situação, por si só, gera estresse nos avós e nos filhos, que se acostumaram a ter um determinado nível socio-econômico e não estão conseguindo manter. Os netos, por sua vez, estão muito mais “exigentes” (mal acostumados?) do que seus pais, e certamente muito mais do que os seus avós.

Antigamente, aposentadoria era sinônimo de ter chegado ao fim da vida, hoje não mais. Os idosos olham para frente e se veem ainda úteis e em condições de viverem produtivamente por muito anos ainda e querem fazer isso da melhor maneira, mas se perguntam como. E por falar em tempo, além de uma vida mais longa, outro aspecto importante que não pode ser esquecido: os avós normalmente tem mais tempo livre do que os pais no dia a dia, passível de ser usado de modo bem produtivo e relevante por eles para desempenharem uma função mais “nobre” na família.

Dito isso, muitos avôs, como eu, querem encontrar uma nova forma de contribuir para algo de valor para eles e para suas famílias. Continuarmos ativos é fator fundamental para a manutenção da nossa saúde física e mental, se nos acomodarmos perderemos gradualmente todas as nossas habilidades e nossa capacidade produtiva. Com as incertezas e exigências cada vez maiores da vida que levamos, a sustentabilidade das famílias pode passar por um novo momento, no qual o papel dos seus idosos seja revisto e valorizado, para que eles possam contribuir na tarefa de buscar condições melhores e sustentáveis de qualidade de vida para elas.

(Re)Valorizando os avós

Podemos comparar o processo de sustentar uma família com diversas gerações convivendo juntas com a montagem de um grande quebra-cabeças. Como a própria definição de Desenvolvimento Sustentável diz, temos que buscar atender as necessidades das diferentes gerações de nossas famílias de modo balanceado e, como estamos todos ainda vivos, podemos nos ajudar a conseguir que todas as gerações à nossa volta consigam ter suas necessidades atendidas. Que peças/necessidades estão em jogo? Quais colocar primeiro para vermos a figura do quebra-cabeças aparecer mais facilmente? O que cabe a cada geração fazer? É possível conciliar necessidades expectativas e experiências tão diferentes mesmo entre pessoas tão próximas e afetivamente ligadas?

Imagem gerada usando Freepik (Freepik.com)

Eu seria sério candidato a ganhar sozinho o Prêmio Nobel da Paz, ou o de Economia, se tivesse as respostas para as perguntas que fiz. Não existem soluções milagrosas, mas acho que o caminho passa por uma reorientação das relações familiares e o uso das características e capacidades de cada membro de cada geração. Estamos falando aqui de encontrarmos os papéis mais adequados de cada um e o que fazem de melhor. Uma das coisas que vejo que atrapalha muito é o fato dos mais velhos não estarem tão conectados com as últimas tecnologias, o que os leva a terem mais dificuldades para entender ou conversar com adolescentes, ou pessoas mais jovens de maneira geral. Mas, por outro lado, nós avôs podemos usar nossa experiência e sabedoria de vida para passar bons exemplos e valores para os mesmos adolescentes ou jovens, que, em troca, podem nos ajudar com a última versão de um aplicativo que teima em não funcionar em nossos smartphones e somente nos deles!

Usei esse exemplo específico de propósito. Tenho conversado muito com amigos avôs e sentimos que nossos netos adolescentes ou os adultos mais jovens, principalmente, estão super antenados com as últimas tendências, mas vêm sofrendo o impacto direto da enorme quantidade de informação que recebem a todo momento e estão bastante inseguros quanto ao seu presente e futuro. São tantas as possibilidades e opiniões que circulam por aí que é difícil “peneirar” o que se vê e escuta, para separar o joio do trigo e saber melhor o que fazer e que caminhos tomar. Nesses momentos, apesar de importantes, as tecnologias e seus impactos não são tudo a ser considerado, mas sim os pontos mais básicos, mais perenes, que estão ligados a valores e práticas de vida que, se seguidos, não apenas mostram caminhos mais sustentáveis, como também trazem mais tranquilidade para os jovens – e isso os mais velhos têm como contribuir. Estamos falando dos valores que nos unem e nos fazem melhores. Se avôs e netos conseguirem manter uma relação de amor e respeito, as trocas entre eles ajudarão aos dois e à família por tabela. Um ambiente de conversa e de participação em atividades que unam essas duas gerações tem sido chave para o sucesso das relações construtivas entre avôs e netos que eu conheço.

Falei da importância da relação com os netos na saúde e motivação de seus avôs, mas é fundamental que os netos vejam valor nesse relacionamento, que aprendam e apliquem o conhecimento que receberam, que sintam vontade de estarem com os avôs e de trocarem experiências e amor com eles. Sem isso, nada acontece.

E os pais (nossos filhos e filhas) dessa nova geração, qual é o seu papel? Bem, acho que é o que sempre compete à geração que está no seu auge: serem os líderes das suas famílias, os responsáveis pela busca da melhor qualidade de vida para cada uma. A eles cabe a tarefa que já foi nossa (dos avós): a de produzir e zelar por seus filhos (nossos netos e netas) de modo sustentável. A nós, os avôs modernos, sobrou a fantástica oportunidade de ajudarmos nossos descendentes a serem as melhores pessoas que eles puderem ser, para que também sejam eles, algum dia, quando chegar sua hora, avós sustentáveis de netos sustentáveis.

O Autor

Marcelo Kós Silveira Campos

É um profissional com mais de 30 anos de experiência em temas ligados à sustentabilidade, dos quais mais de 20 trabalhando com a indústria química. Atuou no desenvolvimento de normas, sistemas e iniciativas para a gestão de saúde, segurança, meio ambiente, responsabilidade social e comunicação em empresas e organizações brasileiras e internacionais.

É engenheiro químico pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e mestrando em Desenvolvimento Sustentável na Universidade de Utrecht, na Holanda.

É o CEO da FASUS.

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