Sustentabilidade Familiar: Afinal do que estamos falando?

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Outro dia, eu estava andando de metrô em São Paulo e comecei a olhar mais atentamente para as pessoas que estavam à minha volta. A estação não estava muito cheia, o que deixava o ambiente mais tranquilo e permitiu que eu acompanhasse algumas delas enquanto se encaminhavam para a plataforma, conversavam ou se distraiam com alguma, quase todas com os seus celulares.

Fiquei imaginando de onde vinham e para onde iam. Porque estavam ali naquele momento, onde morariam e o que cada uma delas fazia para viver. Nessas horas chama a atenção o quanto as pessoas são tão diferentes e ao mesmo tempo tão iguais.

São, com certeza, diferentes como indivíduos, em relação às suas características físicas, por exemplo. Quando deixamos de focar no indivíduo, com seus valores, crenças, necessidades e desejos (vamos chamar os dois últimos de suas demandas), e passamos a ver grupos cada vez maiores de pessoas, as diferenças entre eles vão diminuindo, e grupos de pessoas semelhantes se formam. Quanto maior a escala que olhemos, mais semelhantes nos tornamos.

Percebi isso claramente naquele dia no Metrô, de perto somos diferentes, juntos nas plataformas lotadas, somos iguais.

Grandes grupos de pessoas tendem a ter valores, crenças e demandas parecidas, resultado de um processo evolucionário dentro de um determinado ambiente social, econômico e ambiental que mantem sua qualidade de vida. Sempre existirão flutuações entre indivíduos dentro de cada grupo, mas ao final o que nos une é bem maior do que o que nos separa, apesar de quase sempre falarmos das diferenças…

Todos precisamos de coisas como alimentação, energia, saúde, educação, morada, etc. O quanto necessitamos ou desejamos essas coisas é o que nos divide. Além disso, ao longo da vida, cada indivíduo vai amadurecendo e mudando suas demandas. O mesmo vai acontecendo com os grupos, que também amadurecem e, como grupos tendem a mudar mais lentamente, dizemos que eles evoluem, passando a ter outros valores e demandas.

Ao final, a vida de todos no Metrô de São Paulo gira ao redor de 15 demandas, que vamos chamar de “dores” para realçar sua importância.

As “dores” que todos sentimos

Desde o momento em que nascemos demandamos coisas à nossa volta. Começamos com as demandas mais básicas (alimentação, segurança, vestuário, morada), que dão o mínimo para a nossa sobrevivência. À medida em que crescemos e amadurecemos, vamos aumentando nossas demandas, tanto em quantidade e qualidade, como em número de demandas em si. Elas também ficam cada vez mais “sofisticadas” no sentido que vão deixando de ser essenciais para a sobrevivência e passam, cada vez mais, a ser interessantes por outros motivos, normalmente associados ao prazer que nos dão de usufruí-las. Como tudo, as demandas não são independentes, umas dependem das outras, mas quando somadas, apontam o estágio de qualidade de vida, ou de amadurecimento, que temos. Novamente, quando olhamos os grupos, o que nos divide a partir desse amadurecimento é a nossa capacidade de conseguir ir subindo na escala de demandas.

Como indivíduos, fazemos nossas escolhas diariamente em relação a cada uma das dores. Quais delas serão mais importantes para o nosso dia depende dos nossos valores, das circunstâncias, do que temos e do que nos falta. Mas não vivemos sozinhos. Por isso, nossas demandas se somam, inicialmente, às dos que estão à nossa volta e gradativamente vão se espalhando e se juntando em escalas cada vez maiores. Para a grande maioria, as primeiras pessoas que estão à nossa volta são as de sua família.

As 15 “dores”

Essas pessoas em particular são as que, normalmente, consideramos mais importantes em nossa vida (apesar de haver quem diga que família só fica bem na fotografia). Isso porque, desde que nascemos vamos criando laços de proteção mútua, que se transformam em vínculos cada vez mais fortes, envolvendo outras relações e acabam por criar as emoções que mais nos afetam. Como tudo, a composição de cada família vai mudando, à medida em que uns chegam e outros se vão, mas mesmo assim, a família permanece como o grupo de indivíduos mais importante para quase todos.

Individualmente ou não, todos queremos continuar a viver e a viver cada vez melhor, ou seja, subirmos na escala de maturidade dos nossos valores e demandas. Essa realidade é uma imposição do processo de evolução universal, que faz com que as demandas evoluam com o tempo. Não pretendo me estender no assunto, mas é evidente para todos que a disputa por satisfazer as demandas é o que se pode chamar da luta diária de cada um para se manter, e sua soma, a luta da sociedade inteira. A maneira como negociamos e temos sucesso em conseguir o que queremos ao longo do tempo depende da maturidade que temos e da disponibilidade do que queremos.

Ser (sustentável) ou não ser, eis a questão!

Pois bem, a luta diária se transforma em semanal, mensal, anual, e por aí vai. Tem dias em que temos sucesso, outros em que não, mas a ideia é ter mais sucesso do que fracassos com o tempo, para conseguirmos manter um processo de melhoria consistente. Chamemos isso de um processo de melhoria de vida sustentável. Sustentabilidade passou a ser um termo associado ao meio ambiente, mas a palavra simplesmente significa ter a capacidade de se manter por um tempo qualquer. O que todos queremos é justamente ter a capacidade de manter uma melhoria de vida pelo maior período de tempo possível, ou seja, queremos ser sustentáveis.

“Só” o que temos que definir agora são alguns “fazer”: o que fazer, porque fazer, quando fazer, onde fazer, com quem fazer, como fazer, e por último, quanto vai custar fazer! Tirando isso o resto está resolvido :). Falando sério, já é difícil fazer individualmente (ser individualmente sustentável), coletivamente então, nem se fala. Mas de todo modo, ou damos um jeito de conseguir ou sofremos as consequências, cedo ou tarde.

Essa dificuldade em conseguir balancear os valores e demandas das pessoas em um processo de contínua evolução individual e coletiva, dentro dos limites dos sistemas que nos dão suporte (sociais, econômicos e ambientais), desde o nível mais local até o global, é o que se pode chamar de desafio do Desenvolvimento Sustentável. Tradicionalmente, enfrentar esse desafio tem envolvido os governos, grandes empresas, organizações não governamentais/terceiro setor e a academia (científica para ficar claro), e representantes de organizações internacionais governamentais, como o sistema da ONU, OCDE, OMS, Banco Mundial, e outros, em um processo de “cima para baixo”.

Dentre os muitos resultados do trabalho desses grupos, um dos que mais chama a atenção, pela sua abrangência e complexidade, são os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável da ONU (ODS), parte da Agenda Global para 2030.

As nossas ‘dores” e os ODS

Os 17 ODS foram criados para priorizar as ações que a comunidade global deve tomar para promover um desenvolvimento sustentável, em um horizonte de 15 anos após sua aprovação. Não pretendo explicar muito mais sobre eles, pois não é esse o meu propósito e já existe muita informação facilmente disponível sobre eles. Quero destacar apenas um aspecto que considero fundamental: eles são instrumentos de ação política de alto nível, mas são quase impossíveis de explicar para o público leigo e, portanto distantes de sua realidade.

Essa distância está na raiz da causa pela qual as pessoas tem dificuldade em ver o valor, entender os problemas e, o mais importante, fazerem escolhas que aumentem as chances delas próprias – e de suas famílias – serem sustentáveis e, no conjunto, todos sermos. Basta ver as discussões sobre mudanças climáticas para entender como essa é a triste realidade.

Pensando nisso é que defendemos introduzir o conceito de Sustentabilidade Familiar como uma alternativa para acelerar o atendimento aos ODS e, consequentemente, contribuir para o Desenvolvimento Sustentável. A Sustentabilidade Familiar busca manter a capacidade de evolução das famílias para terem condições de melhorar a sua qualidade de vida (indefinidamente) por gerações.

No seu conjunto, famílias sustentáveis farão um mundo sustentável.

Ao basearmos a Sustentabilidade Familiar em melhoria de padrões de maturidade e focarmos nas “dores” que elas sentem, temos convicção que estamos no caminho certo. Quando comparamos os 17 ODS às 15 “dores”, podemos perceber que tratam, basicamente, dos mesmos temas, a diferença está na linguagem simples das “dores”, muito mais fácil de ser entendida por todos. Elas podem ser usadas por empresas quando queiram falar dos ODS e também de ESG e Economia Circular (coisas que fazem sentido na linguagem da Sustentabilidade Empresarial) com seus públicos em geral, não apenas fazendo-os compreender as posições delas, mas principalmente, conseguindo maior engajamento com suas propostas.

Essa linguagem simples pode até fazer com que grupos no metrô de São Paulo, que se dirijam à estação Corinthians/Itaquera, ou à estação Palmeiras/Barra Funda, entendam que precisam se unir, para torcerem juntos pela melhoria sustentável de suas vidas, de suas famílias e de todo o resto!

O Autor

Marcelo Kós Silveira Campos

É um profissional com mais de 30 anos de experiência em temas ligados à sustentabilidade, dos quais mais de 20 trabalhando com a indústria química. Atuou no desenvolvimento de normas, sistemas e iniciativas para a gestão de saúde, segurança, meio ambiente, responsabilidade social e comunicação em empresas e organizações brasileiras e internacionais.

É engenheiro químico pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e mestrando em Desenvolvimento Sustentável na Universidade de Utrecht, na Holanda.

É o CEO da FASUS.

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